terça-feira, 14 de outubro de 2014

O homem da alma de ferro

Ele sorri para mim todos os dias, quando passo próximo à ele às oito da manhã, e permanece sentado em frente à sua humilde casa (com janelas quebradas, paredes furadas) em uma cadeira de plástico e, no rosto, um sorriso de dentes amarelos que permanece estendido até às onze da noite. Ele já é um homem avançado em idade: tem setenta e um anos de vida e trinta de muletas. É aleijado, embora andasse (com muita dificuldade). Adora crianças. Sempre o vejo com algum minininho ou minininha nos braços, apontando, alegremente, para algum elemento que sempre fascina as crianças: uma borboleta,um felino que corre atrás de ratos ou um cachorro doido que simplesmente perseguia motos ou carteiros. Mas nunca se soube que ele tivesse filhos e nem, portanto, netos. As crianças que o cercam eram, certamente, de amigos, vizinhos ou parentes.

Eu nunca o conheci muito profundamente. Ele era só. Sem pais, conjugue, nada... Chegou a conhecer o escritor semi-recluso Haroldo Maranhão, mas foi há muito tempo. Agora ele é só. E, sendo só, sua felicidade era tanta que, surpreendentemente, não suportava guarda-la apenas para si. Tinha necessidade de partilha-la. Partilhava-o através de um sorrisso, de um "bom dia", ""boa tarde" ou "boa noite". Em frente à sua casa, havia uma pilha que lembrava um mini ferro-velho. A maioria dos entulhos eram grades. E essa era a profissão dele: um fazedor de grades. Alguns diziam: ferreiro. Tanto faz, quanto tanto ferro. Ele trabalhava com soldas, com metal de depósito e metal da alma. E, enquanto possuía saúde, seu emprego era o recheio e o emprego da sua vida. Com a descoberta da osteoporose em seu corpo por um médico velho, o fazedor de grades foi compelido à abandonar a sua profissão. As grades que fazia no passado, ajuntou (reuniu, não sei qual o melhor termo) em frente a sua casa, tais quais vigilantes, amigos porteiros, família.

Desde então, a profissão do fazedor de grades passou a ser o descanso constante emsua cadeira de plástico, em frente à sua casa, e a distribuição de sorrisos e gentilezas para amigos e vizinhos.

Sempre que alguém fala sobre o fazedor de grades e afirma que ele entregou-se à aposentadoria, eu nego e afirmo veementemente que ele apenas mudou de profissão. Agora, ele se tornou um fazedor de sorrisos. 

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